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Ano : 2009 Autor : Dr. Marcos Pedroso Neto

Descaracterização da Contribuição ao INCRA sobre a Folha de Salários como Intervenção no Domínio Econômico

Ilegalidade que Permite a Recuperação e Compensação de Créditos Tributários

 

Na tentativa de justificar mais uma ilegalidade na prática arrecadatória do Governo Federal, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento que a contribuição ao INCRA constitui intervenção no domínio econômico, tendo a mesma natureza tributária das contribuições de intervenção no domínio econômico, a conhecida CIDE.

 

As agroindústrias, cooperativas rurais, empresas rurais[1] e urbanas, segundo este equivocado entendimento, obrigatoriamente devem arcar com mais este ônus fiscal.

 

Ocorre que, na tentativa irrefletida de afastar a natureza previdenciária desta contribuição, o STJ acabou por forçar uma aproximação com o tratamento tributário dispensado à CIDE, sem atentar com a necessária observância aos requisitos que a Constituição Federal Brasileira taxativamente determina.

 

Para melhor entendimento desta questão, faz-se necessária uma breve digressão sobre as alternâncias de posicionamento que o STJ já adotou na apreciação desta questão.

 

No fim da década de 90, vigorava o posicionamento de que a contribuição ao INCRA era plenamente exigível, quer das empresas urbanas, quer das empresas rurais, sendo que, a partir de 2005, o STJ voltou atrás e novamente considerou que a exação ao INCRA não encontrava guarida na legislação federal, já que revogada pela Lei nº 8.212/91, reconhecendo o bis in idem na exigência desta contribuição concomitante ao Funrural.

 

Em 2006, ocorreu nova alteração jurisprudencial pelo STJ que solidificou o entendimento de que não teria sido a Lei nº 8.212/91 que extinguiu a contribuição ao INCRA, mas sim a Lei nº 7.787/89, mantendo a mesma posição com um fundamento distinto.

 

Finalmente, em 2006, o STJ apreciou a questão novamente, desta vez julgando[2] que a contribuição ao INCRA se tratava de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, submetendo-a ao regime do art. 149 da CF/88, alterando, desta forma, toda a jurisprudência mansa e pacífica da Corte a respeito dessa exação, decidindo pela plena exigibilidade desta e afastando a aplicação das Leis nº 7.787/89, 8.212/91 e 8.213/91 sobre ela.

 

Em suma, o STJ definiu que a contribuição ao INCRA tem natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico, com fulcro no art. 149 da CF/88, justificando sua legalidade e exigibilidade.

 

O art. 149 da Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

 

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao determinar a contribuição ao INCRA como CIDE considerou que a mesma tem finalidade específica constitucionalmente determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais (art. 170, III e VII, da CF/88), classificando-a como contribuição especial atípica[3] (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149). Desta forma, a arrecadação destina-se, especificamente, aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares, não se enquadrando no gênero Seguridade Social.

 

Entretanto, para que seja possível a caracterização de uma contribuição como CIDE é preciso respeitar os princípios da atividade econômica e a própria ordem econômica vigente no Estado brasileiro, ou seja, esta deve estar diretamente ligada aos conceitos, limites e objetivos estampados nos arts. 170 e ss da Carta Magna de 1988.

 

No presente caso NÃO há que se falar em intervenção no domínio econômico quando o Estado atua no seu próprio campo de funções. E, por decorrência lógica, se não há intervenção no domínio econômico, igualmente não há hipótese de incidência legítima para a instituição de CIDE, como pretensamente quer se caracterizar a contribuição ao INCRA.

 

A reforma agrária é atividade essencialmente estatal e a contribuição de intervenção no domínio econômico – contribuição ao INCRA –, instituída com o fim de promovê-la, é inconstitucional por não preencher os requisitos necessários à sua legitimação, decorrentes da interpretação sistemática dos arts. 149, 170, 173, 174 e 175 da Constituição Federal.

 

Assim, não sendo contribuição de intervenção no domínio econômico, a contribuição ao INCRA é uma típica contribuição social destinada ao financiamento da Seguridade Social, conforme anterior e correto posicionamento do STJ, extinta pelas Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 que unificaram o regime da Seguridade Social, afastando a possibilidade de cobrança das empresas rurais, a partir da criação do Funrural, e vedando totalmente tal ônus às empresas urbanas.

 

Desta forma, através do exercício do controle difuso da constitucionalidade, ou seja, ações ordinárias nas instâncias iniciais discutindo a questão para que subam e tenham a necessária apreciação do Superior Tribunal de Justiça e, principalmente, do Supremo Tribunal Federal quanto aos argumentos ora referidos, o contribuinte terá a força da Constituição Federal ao seu lado contra esta inconstitucionalidade/ilegalidade que o STJ tenta pacificar, provocando o STF para exercer seu dever constitucional de proteção da Constituição Federal contra esse desmando encontrado nos recentes julgados do STJ.

 

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

Decreto-Lei n. 582/1969 - Estabelece medidas para acelerar a reforma agrária;

Decreto-Lei n. 1.110/1970 - Cria o instituto de colonização e reforma agrária, (incra);

Lei n. 2.613/1955. Autoriza a União a criar uma Fundação denominada serviço social rural;

Lei n. 4.504/1964 - Dispõe sobre o estatuto da terra, e da outras providências;

Consulta à Jurisprudência do STJ / STF;

 



[1] Para Marion (2002), o campo de atividade das empresas rurais pode ser dividido em: - Produção Vegetal atividade agrícola): aborda a cultura hortícola e forrageira (cereais, hortaliças, tubérculos, especiarias, floricultura,...) e a arboricultura (florestamento, pomares, vinhedos,...); - Produção Animal (atividade zootécnica): criação de animais (apicultura, avicultura, pecuária, piscicultura,...; e - Indústrias Rurais (atividade agroindustrial): beneficiamento do produto agrícola, transformação de produtos zootécnicos e agrícolas);

[2] EREsp nº 770.451 / SC;

[3] As contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas;


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