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Ano : 2011 Autor : Dra. Fernanda Vianna Duarte

A compensação tributária sem a caracterização de crime contra a ordem tributária

Primeiramente, devemos conceituar o que é crime contra ordem tributaria para então justificar a sua inaplicabilidade nos casos de compensação de débito de ICMS com crédito tributário.

A Lei 8.137/90 descreve o delito fiscal em seu art. 1º, sendo este o norte para entendermos a ocorrência do crime tributário:

“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação;

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”

 Observamos os incisos I e II, que regula os crimes fiscais, no inciso I dispõe a conduta delituosa a omissão de informações, prestar declarações falsas as autoridades fazendárias, já no inciso II fraudar a fiscalização tributária, inserido elementos que não são corretos, ou omitindo operação de qualquer natureza em documento fiscal obrigatório.

 Destacamos o entendimento do autor Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini acerca de crime fiscal:

“Ademais, há que se distinguir a possibilidade de que o débito venha a ser devido (hipótese de não atendimento, pelo Fisco, do pleito elaborado pelo contribuinte) com a existência de indícios de materialidade. Subsiste, ressalte-se, até que a decisão final seja proferida, tão somente uma possibilidade de que o tributo seja devido. Mas isso é incapaz de constituir justa causa para ação penal”

Nesse sentido, a simples falta de pagamento não enseja o crime fiscal. A falta de pagamento não resulta no fato típico penal, nos termos da legislação vigente. Ainda mais quando não há a situação de inadimplência, no momento que o contribuinte está efetuando os pagamentos através das compensações com precatórios.
 
Acerca do assunto, trazemos um trecho dos autores já referidos:
 
“No concerne à supressão, impõe-se que o tributo seja devido. No segundo caso (redução), além de devido, há que se conhecer o valor pago e aquele que deveria ter sido recolhido pelo contribuinte, ou seja, o valor devido, sem o que não se pode concluir tenha havido recolhimento menor, questões que, por expressa disposição legal são de competência da instancia administrativa-fiscal.”  

 Por fim, no caso da compensação, se o contribuinte prestou todas as informações de forma correta, declarando o valor devido a ser compensado não há que se falar em caracterização de crime fiscal.

Em sucinto comentário acerca dos crimes fiscais, cumpre trazer o conceito da compensação, no caso em tela por meio do crédito de precatórios estaduais com débito de ICMS.
 
 A compensação é tratada como uma modalidade de extinção do débito, nos termos do art. 156, II do Código Tributário Nacional, conforme transcrito abaixo:
 
Art. 156 - Extinguem o crédito tributário:
(...)
II - a compensação;

Segundo o renomado autor HUGO DE BRITO MACHADO in ¨Curso de Direito Tributário¨ (26ª edição, Malheiros, 2005, p. 214), para quem o direito à compensação decorre da Constituição Federal, por aplicação dos princípios que garantem a ¨cidadania¨, a ¨justiça¨, a ¨isonomia¨ e a ¨propriedade¨, e não de lei infraconstitucional, a qual, contudo, deve ser editada para estabelecer como a compensação deve ser feita caso a caso, de sorte que, não editada ela, o direito existe assim mesmo.

Importante mencionar o entendimento do autor Sacha Calmon Navarro Coelho, in verbis:

“O que se passa aqui é a praticabilidade. A lei permite, ao invés de dois pagamentos contrapostos, a realização de um só, pelo saldo (raramente as dívidas se equivalem).
A disciplina do instituto em nosso Direito Civil, à semelhança do avoengo Direito português, exclui as dívidas tributárias (art. 853 do Código Civil luso).
Os civilistas daqui e d´alhures justificam a exclusão pelo interesse geral em prol da arrecadação, pois o Estado depende dos tributos para subsistir. O publicista Ernst Blumenstein justifica a exclusão pela natureza pública do crédito tributário. De modo geral, os Códigos Civis adotam a mesma orientação, ao nosso sentir equivocada. Nos países do setentrião europeu, vá lá que se proteja o crédito tributário, por isso que naquelas lonjuras o Estado tampouco fica a dever o pagamento de seus débitos. Entre nós, o  Estado, lato sensu, cobra os tributos, mas não paga os seus débitos. Dá-se o absurdo de muitos contribuintes quebrarem por não receberem seus créditos contra o Estado, enquanto este lhes cobra implacavelmente os créditos tributários, assenhoreando-se dos bens restantes em processo privilegiado de execução fiscal. A situação é, no mínimo, kafkiana.  (grifo nosso)

 O doutrinador explica o instituto da compensação e a diferença absurda de tratamento entre o Contribuinte e o Fisco. Nesse sentido, observa-se a importância da compensação, visando à redução do passivo do próprio Estado com a extinção do débito do contribuinte.

 Em suma, a inadimplência do Estado não pode ser controlada pelo próprio ente fiscal, por meio da compensação, se objetiva de forma eficaz reduzir o débito fazendário, ainda reduzindo o tributo do contribuinte.
  
Visto isso, a compensação é modalidade de pagamento, que uma vez efetivada, extingue o crédito tributário, conforme previsto no nosso ordenamento jurídico e já pacificado na jurisprudência.

A legislação tributária, especificamente, o Código Tributário Nacional (Decreto-Lei nº 5.172/1966), estabelece taxativamente as causas de extinção do crédito tributário. Estas hipóteses encontram-se elencadas no artigo 156 do referido Diploma Legal:

“Art. 156 - Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - a remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no Art. 150 e seus parágrafos § 1 e § 4;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2 do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.”
XI - a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.”

Transcrito no inciso II do referido artigo, a compensação é uma das formas previstas para extinção do crédito tributário. Através da mesma, o contribuinte pode efetuar o encontro de contas, entre o crédito que possui com o débito fiscal existente junto à Administração Pública.

Assim, para que se efetue a compensação é essencial que o devedor, no caso o contribuinte, seja ao mesmo tempo credor da Fazenda Pública, devendo as dívidas serem líquidas e certas. Por conseguinte, opera-se o encontro de contas, através da compensação, que é possível e extingue o crédito tributário, nos termos do artigo 156, II do Código Tributário Nacional. Exatamente como ocorre no caso de compensações de ICMS com precatórios estaduais.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho analisa o instituto da compensação:

“Analisado o fenômeno pelo ângulo lógico, conclui-se que o desaparecimento somente acontecerá se os valores compensados forem exatamente iguais ou se o crédito que o sujeito passivo opuser à Fazenda Pública suplantar o montante devido a título de tributo. Sendo menor, remanescerá o vínculo tributário, por pequena que seja a dívida. Como vetores de mesma intensidade, mesma direção e sentidos opostos se anulam, quer o direito subjetivo da entidade tributante, como o dever jurídico do sujeito passivo desaparecem, fenecendo a relação obrigacional”.
 
Em suma, a compensação é uma das formas de extinção do crédito tributário, resta então, evidente que a mesma não enseja a possibilidade de ocorrência de punição por suposto crime fiscal.

Por fim, afastamos a possibilidade da caracterização de crime tributário o pagamento realizado mediante a compensação com precatórios. A compensação afasta a inadimplência no processo administrativo e judicial, considerando que para os crimes de sonegação, deve haver a inadimplência e o fato ilícito, bem como omissão ou fraude das informações prestadas junto às entidades fazendárias. Diante disso, não há ilegalidade na compensação de crédito fazendário com precatório, que possa incidir em crime tributário.

 


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