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Ano : 2010 Autor : Dr. Josué Oliveira

Restituição de obrigações emitidas pela Eletrobrás ou sua compensação com débitos tributários

A competência da Secretaria da Receita Federal para promover a restituição de obrigações emitidas pela Eletrobrás ou sua compensação com débitos tributários - Ilegalidade da súmula n. 17 do CARF.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF - é o novo tribunal administrativo competente para julgar os recursos propostos pelos contribuintes contra as autuações do fisco federal, sucedendo o antigo Conselho de Contribuintes da Receita Federal. em

O CARF originou-se a partir da edição da Medida Provisória n. 449/2008, posteriormente regulamentada pela Lei n. 11.941/2009 e sua atuação preponderante consiste no julgamento de recursos de ofício ou voluntário, de decisões administrativas em primeira instância.

Ocorre que, dentre as atribuições do Conselho Administrativo, prevê o artigo 20 do seu regimento interno a competência para proposição, discussão, análise e edição de súmulas e resoluções dentro de seu âmbito. Neste sentido, foi expedida a portaria de convocação n. 97/2009.

Com efeito, destacamos uma das súmulas que será discutida pelo CARF, a saber a de n. 17 do extinto Conselho de Contribuintes, da qual seu enunciado pende de análise para uniformização ou renumeração.

Para melhor elucidar o presente estudo, transcrevemos a súmula n. 17, a ser consolidada:

“Não compete à Secretaria da Receita Federal promover a restituição de obrigações da Eletrobrás nem sua compensação com débitos tributários.”

Visualizando o enunciado alhures, basta um pouco de circunspecção para perceber que aqui figura mais uma entre tantas arbitrariedades e ilegalidades cometidas pelo fisco federal, senão vejamos.

Verifica-se pela análise da Lei n. 4.156/62 que a União emitiu títulos mobiliários denominados “obrigações ao portador” que posteriormente foram renomeados pela própria Eletrobrás como debêntures e, inclusive, foram registrados junto a Comissão de Valores Mobiliários – CVM – onde estão expressas as condições de emissão dos títulos juntamente com a outorga quanto ao seu caráter de liquidez, exigibilidade e conversibilidade.

Cumpre frisar que a debênture emitida pela companhia brasileira geradora de eletricidade, enquadra-se na categoria dos títulos executivos extrajudiciais, conforme dispõe o artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil, pois estamos tratando de títulos emitidos por sociedade anônima que representam um empréstimo compulsório contra ela resgatável.

Porém, público e notório que empresas de capital aberto a exemplo da Eletrobrás,  são pessoas jurídicas privadas criadas mediante edição de Lei Federal, ficando a cargo da União Federal a responsabilidade solidária pelo inadimplemento de obrigações de quaisquer de suas controladas. Isto ocorre porque a mesma lei que criou a Eletrobrás também dispõe que o governo brasileiro é seu controlador e avalista em face das obrigações financeiras por ela contraídas, seja no mercado nacional, seja no internacional.

Pela breve síntese até aqui exposta, verificam-se inequívocas as ilegalidades, bem como inconstitucionalidades implícitas na súmula ventilada. 

Contrariamente ao entendimento da súmula criada pelo ente administrativo está o art. 4 "§3", da Lei nº 4.156/62 que assim dispõe:

“Art. 4º (...)
§ 3º É assegurada a responsabilidade solidária da União, em qualquer hipótese, pelo valor nominal dos títulos de que trata este artigo.”

Daí decorre o raciocínio lógico de que, se a Fazenda Nacional é solidariamente responsável pelo pagamento das obrigações emitidas pela Eletrobrás – debêntures - é inconteste que tal crédito igualmente pode ser utilizado para compensar débitos de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Ademais, não há qualquer óbice legal que restrinja a negociação das debêntures com terceiros para fins de garantir a discussão de débitos fiscais e previdenciárias, especialmente agora que estamos diante da vigência do novo programa de parcelamento instituído pela Lei. 11.941/2009, o chamado Refis da crise.

Não obstante, o entendimento quanto à aceitação, liquidez e exigibilidade das obrigações emitidas pela Eletrobrás vem ganhando força perante os tribunais superiores. Assim, considerando que tais decisões têm caráter geral, estas devem ser aplicadas a quaisquer casos em que os contribuintes estejam confrontando os órgãos fazendários da União, razão pela qual é imprescindível destacar mais uma vez a inteligência do § 3º do artigo 4º da Lei 4.156/62, que determina que a União é responsável solidária perante o valor nominal dos títulos emitidos pela Eletrobrás. Inclusive, tal garantia é consignada expressamente no verso dos títulos

Neste particular, o fato das obrigações da Eletrobrás terem sido emitidas por força de lei com a garantia solidária da União Federal em quaisquer hipóteses, fica assegurado ao possuidor da debênture o ressarcimento com a própria União, que é a beneficiaria direta do empréstimo compulsório instituído através da Lei. 4.156/62.

Destarte, os arts. 73 e 74 da Lei 9.430/96, admitem a restituição ou ressarcimento aos contribuintes para fins de quitar débitos tributários e contribuições federais, conforme transcrevemos a seguir:

“Art. 73. Para efeito do disposto no art. 7º do Decreto-lei nº 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte:

I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir;
II - a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinte ou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição.”

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.”

Destarte, é correto afirmar com segurança que tais títulos são instrumentos hábeis para a garantia dos programas de parcelamentos especiais, e que oportunamente, poderão ser oferecidas administrativamente como elementos apropriados para compensação com o saldo devedor remanescente. Da mesma forma, há a possibilidade de substituição da garantia anteriormente oferecida pelas debêntures, dentro do princípio da isonomia, conforme disposição do inciso IV, § 2º do art. 3º da MP nº 261, de 29/09/00.

Independentemente da adesão a algum programa de parcelamento fiscal, não se vislumbra qualquer óbice legal para que as dívidas tributárias – que não estejam relacionadas nos REFIS – sejam objeto de compensação com o crédito das ações resgatáveis pelas debêntures emitidas pela Eletrobrás, vez que, o procedimento administrativo independe de prévio assentimento do fisco, devendo tão somente haver prévia comunicação para fins de registro na contabilidade da Fazenda.

Contudo, em caso de recusa, impedimento ou qualquer outro ato coercitivo, o caminho é o Judiciário que, já tendo reconhecido a validade e o direito de correção monetária dessas obrigações, certamente que reconhecerá a responsabilidade solidária da União quanto a esses títulos (§ 3º do Art. 4º, Lei 4.156/62).

De outra parte, por haver disposição legal expressa em lei sobre a responsabilidade da União referente às obrigações emitidas pela eletrobrás, onde o Código Civil prevê em seu art 265, que “a solidariedade não se presume, resulta de lei ou de da vontade das partes”, o portador dos títulos poderá escolher qualquer um dos devedores solidários para figurar no pólo passivo da demanda executiva e quando este não quitar sua obrigação, a ação será ajuizada contra o outro devedor solidário.

Com isso, surge contra a União, solidariamente com a Eletrobrás, a obrigação de pagar o valor das debêntures ao portador que, executando o crédito, não seja satisfeito.

Portanto, inequívoco o entendimento que ajuizada a Execução Judicial e efetivada a penhora, nasce o direito do Autor da Execução de utilizar-se do crédito exequendo para pagar/compensar dívidas administradas tanto pela Receita Federal (débitos federais e previdenciários), ou contraídos de qualquer empresa controlada pela União.

No que tange a compensação de créditos para quitação de dívidas junto a Receita Federal, esta pode ocorrer tanto na via judicial e como na administrativa, nos termos dos artigos 13, e seguintes, bem como art 21, da Instrução Normativa SRF n. 210, e a MP 75/2002, que altera a legislação tributária.

Apenas para melhor argumentar, destacamos o disposto no art 13, da SRF n. 210, que disciplina a restituição de receita não administrada pela SRF, in verbis:

“Art. 13. O pedido de restituição de receita da União, arrecadada mediante Darf, cuja administração não esteja a cargo da SRF, deverá ser apresentado à unidade da SRF competente para promover sua restituição, que o encaminhará ao órgão ou entidade responsável pela administração da receita a fim de que este se manifeste quanto à pertinência do pedido.”

“Parágrafo único. Reconhecido o direito creditório do requerente, o processo será devolvido à unidade da SRF competente para efetuar a restituição, que a promoverá no montante e com os acréscimos legais previstos na decisão proferida pelo órgão ou entidade responsável pela administração da receita, ou sem acréscimos legais quando a decisão não os prever”.

Neste sentido, temos ainda o art 21, da IN/SRF, que registra a efetiva possibilidade de compensar os valores representados pelas debêntures, com débitos administrados pela Receita Federal, viabilizando, após a interposição do requerimento, a imediata suspensão da exigibilidade do débito tributário.

Portanto, considerando as razões aqui ventiladas, resta assegurada as empresas a possibilidade judicial e/ou administrativa para pagarem ou garantirem dívidas contraídas junto às subsidiárias distribuidoras de energia, Fazenda Nacional (débitos federais e de INSS), ao BNDS, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, através da utilização de créditos judiciais oriundos de Ações Executivas com penhora devidamente formalizada nos autos.


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