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Ano : 2009 Autor : Dr. Juliano Ryzewski

A alíquota progressiva do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) é ilegal

Ressalta-se que muitos inventários no Rio Grande do Sul, vêm sofrendo a cobrança do ITCD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações) com alíquotas progressivas, que são escalonadas de 1 a 8%, conforme o valor dos bens.

 

A Lei Estadual nº 8.821/89, instituiu o imposto sobre a transmissão "causa mortis" e doação, de quaisquer bens ou direitos. O seu artigo 18 diz que a “alíquota é definida com base no resultado da soma do valor venal da totalidade dos bens imóveis, móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos, do patrimônio inventariado, estabelecendo-se” após, em seus incisos, um critério de progressividade assim disposto:

 

“I - isenção, se os valores supra referidos não excedem 2.000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

II - em um por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 2001 e 4000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

III - em dois por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 4001 e 6000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

IV - em três por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 6001 e 9000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

V - em quatro por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 9001 e 12000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

VI - em cinco por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 12001 e 20000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

VII - em seis por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 20001 e 30000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

VIII - em sete por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem entre 30001 e 50000 Unidades de Padrão Fiscal;

 

IX - em oito por cento, se os valores referidos no "caput" deste artigo estiverem acima de 50001 Unidades de Padrão Fiscal.”

 

Pela leitura do referido artigo e seus incisos, percebe-se, de forma clara e evidente, que o legislador estadual, estabeleceu um critério de progressividade que se torna ilegal quando a questão envolve imposto real, como é o caso do imposto de transmissão causa mortis (ITCD).

 

Destarte, o ITCD é imposto direto e real cuja base de cálculo é delimitada sobre a cotação do(s) bem(s) transferidos pelo “de cujus”, não existindo incidência direta e imediata da capacidade econômica do contribuinte.

 

Para melhor elucidação do caso, trazemos a baila às sábias palavras do Jurista Geraldo Ataliba:

 

“São impostos reais aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência limita-se a descrever um fato, ou estado de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A hipótese de incidência é um fato objetivamente considerado, com abstração feita das condições jurídicas do eventual sujeito passivo; estas condições são desprezadas, não são consideradas na descrição do aspecto material da hipótese de incidência...


São impostos pessoais, pelo contrário, aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência leva em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos. Em outras palavras: estas qualidades jurídicas influem, para estabelecer diferenciações de tratamento legislativo, inclusive do aspecto material da hipótese de incidência. Vale dizer: o legislador, ao descrever a hipótese de incidência, faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurídicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa tão intimamente os aspectos pessoal e material da hipótese de incidência, que não se pode conhecer este sem considerar aquele.” (
Hipótese de incidência tributária, 5ª edição, São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p.125).

 

Desta forma, sabe-se que a Constituição Federal veda a progressividade de alíquotas para os impostos de natureza real, que são aqueles em que a definição do fato gerador leva em consideração apenas à realidade tributável, sem qualquer vinculação com a pessoa e as condições do sujeito passivo.

 

O referido princípio está estampado no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal que nos diz:

 

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” (grifei)

 

Segundo a doutrina do ilustre Desembargador, Luiz Felipe Silveira Difini, ao comentar o princípio da capacidade contributiva inserto no artigo 145, § 1º, da CF, a “expressão ‘sempre que possível’ não se refere ao princípio da capacidade contributiva, mas apenas ao caráter pessoal dos impostos.”

 

Dessa forma, o tema todo em debate diz respeito à impossibilidade do estabelecimento da progressividade nos impostos ditos como reais, já que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se consolidou no sentido de que nestes impostos a progressividade somente é possível se estiver expressa na Constituição Federal, por disposição do chamado Poder Constituinte Originário, não podendo ser admitido sequer por Emenda Constitucional proveniente do poder constituinte congressual ou meramente derivado.

 

Vejamos um excerto do d. voto do Ministro Carlos Velloso, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº. 234105-3/SP, quando foi declarada a inconstitucionalidade de artigo que previa a progressão da alíquota do ITBI, no Município de São Paulo:


(...)

Na Constituição Federal inexiste permissão para a adoção do sistema de alíquotas progressivas para a cobrança do IBTI. Vale dizer que, caso fosse a intenção do legislador autorizá-la, certamente teria consignado expressamente no texto previsão a respeito, como fez na hipótese do IPTU (art. 156, par. 1°, da Lei Maior). A norma geral estatuída no art. 145 da Carta Magna, sofre a restrição do referido art. 156, a desautorizar a cobrança na forma como pretendida pelo Fisco.

(...)” (grifei)

 

Assim, a regra geral tributária é que a progressividade somente deve ser possível, nos termos do artigo 145, § 1º, da CF, nos impostos ditos pessoais, já que nestes impostos o fato gerador é a própria expressão direta e imediata da capacidade contributiva.

 

Sendo então o ITCD imposto de natureza real, a ele se estende a vedação legal da possibilidade de progressividade, devendo ser aplicada assim a menor alíquota prevista, ou seja, a de 1%.

Esta é a Jurisprudência:

 

EMENTA:  APELAÇÃO REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ITCD. IMPOSTO DIRETO REAL. ALÍQUOTAS PROGRESSÍVAS. DESCABIMENTO. VALOR DO BEM TRANSMITIDO OU DOADO. CRITÉRIO QUE NÃO MENSURA E/OU EXPRESSA A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. TRIBUTO DEVIDO PELA ALÍQUOTA MÍNIMA PARA TRANSMISSÃO POR DOAÇÃO (ART. 19, I DA LEI 8.821/89). A Constituição Federal subordina todo o sistema tributário nacional a vários princípios, uns gerais e expressos, outros decorrentes, outros, ainda, específicos a determinados impostos. São princípios gerais expressos o da legalidade estrita (art. 150, I), da igualdade tributária (art. 151, II), da personalização do tributo e da capacidade tributária (art. 145, parágrafo 1º), da irretroatividade (art. 150, III, a), da anualidade (art. 150, III b), da ilimitabilidade do tráfego de pessoas e bens (art. 150, V). Entre os decorrentes, destaca-se o princípio da universalidade, que não há de ser próprio tão só para o Imposto de Renda, como dispõe o art. 153, parágrafo 2º, I, mas comum a qualquer tributo, posto que o art. 19, III, veda ao Estado criar distinção entre brasileiros. Determinados impostos, ainda, ficam submetidos a princípios que se podem dizer específicos, como o da progressividade, próprio para o imposto sobre a renda (art. 153, parágrafo 3º, I) e ao IPTU, isto a contar da Emenda Constitucional 29, e os da não cumulatividade e da seletividade, aplicáveis ao IPI e ao ICMS (arts. 153, IV, parágrafo 3º, I e II e 155, II, parágrafo 2º, I e III). Tem-se certo, pois, que salvo expressa vênia constitucional, é vedada a progressividade nos impostos reais posto que, para ficar no caso o valor do bem transmitido ou doado - que constitui a base de cálculo do ITCD - não mensura e nem é expressão da capacidade contributiva. Também no ITBI, imposto que tem fato gerador comum - a transmissão de bens - só que difere na causa, razão porque o Pretório Excelso a seu respeito já proclamou a inconstitucionalidade da progressão. Vê-se, pois, que as disposições dos artigos 18 e 19 da lei 8.821/89 afrontam o princípio constitucional que veda a progressão para os impostos de natureza real, como inegavelmente é o ITCD. Por isso, deixo de aplicá-las ao caso concreto; mas nem por isso as transmissões de bens ou doações hão de ficar à margem e ao largo da tributação, devendo prevalecer a alíquota mínima. Assim, na transmissão "causa mortis" aplicável a alíquota mínima de 1% (art. 18, I) e para a transmissão por doação, de 3%, também a mínima (art. 19, I), vedada a progressão por conta do valor dos bens transmitidos. Pondero que a lei estadual 8.821/89 dispõe modo diferenciado as alíquotas para as duas espécies de transmissão - "causa mortis" e doação; dá trato seletivo a situações jurídicas que se diferenciam. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário, por maioria. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70029776564, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 20/05/2009)

 

EMENTA:  AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS. VEDAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do art. 145, § 1º, da Constituição Federal, incabível a progressividade das alíquotas do Imposto de Transmissão 'Causa Mortis ' e Doações (ITCD), prevista na Lei Estadual nº 8.821/89, porquanto se trata de tributo de natureza real. Assim, há incidir a menor alíquota estabelecida, qual seja, de 1%. Precedentes, inclusive do Órgão Especial. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70029226321, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 07/05/2009)

 

EMENTA:  AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS. VEDAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do art. 145, § 1º, da Constituição Federal, incabível a progressividade das alíquotas do Imposto de Transmissão 'Causa Mortis ' e Doações (ITCD), prevista na Lei Estadual nº 8.821/89, porquanto se trata de tributo de natureza real. Assim, há incidir a menor alíquota estabelecida, qual seja, de 1%. Precedentes, inclusive do Órgão Especial. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70029108479, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 07/05/2009)

 

Portanto, verifica-se a INCONSTITUCIONALIDADE da progressividade de alíquota no ITCD, levando-se em consideração a existência de alguns vícios, vejamos: a) que os objetos de transmissão ou doação tratam-se de bens ou direitos, os quais, por sua vez, caracterizam-se como patrimônio, não se confundindo com a pessoa do contribuinte; b) o fato de estar o princípio da capacidade contributiva expressado no valor venal dos bens; c) de não haver previsão expressa na Constituição acerca da progressividade em relação ao ITCD.


Diante disso, têm os contribuintes direito de pleitear o pagamento da menor alíquota do ITCD, qual seja, a de 1% sobre o valor do bem.


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