No atual cenário tributário brasileiro, é comum observar que diversos grupos econômicos adotam estratégias de segregação de atividades e pulverização de receitas com o objetivo de se enquadrar em regimes tributários mais favoráveis, notadamente o regime do lucro presumido. Neste sentido, a intenção aqui é analisar os riscos de autuação pelas autoridades fiscais quando tais práticas de segregação não observam requisitos mínimos estabelecidos pela jurisprudência, destacando os cuidados necessários para mitigar eventuais autuações fiscais.
A prática de dividir atividades entre diferentes pessoas jurídicas, visando à redução da carga tributária, tem sido objeto de intensos debates nas esferas administrativa e judicial. Um exemplo recorrente é o de empresas tributadas pelo regime do lucro presumido, que, ao se aproximarem do limite de receita bruta anual de R$ 78 milhões, criam pessoas jurídicas para redistribuir atividades e receitas, mantendo cada entidade dentro do limite que permite a permanência no regime tributário mais benéfico.
A Receita Federal tem enfatizado, em suas autuações, a imprescindibilidade de que reorganizações societárias sejam justificadas por razões econômicas legítimas. Ademais, exige-se que as empresas demonstrem efetiva autonomia operacional entre si. A jurisprudência do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) corrobora essa posição, ressaltando que a ausência de substância econômica, configurando simulação ou fraude, pode ensejar a aplicação de multas qualificadas, conforme disposto no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996.
Importa salientar que tais multas, atualmente, estão limitadas a 100% do valor do débito tributário, aplicando-se o percentual de 150% apenas em casos de reincidência, em consonância com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o Recurso Extraordinário nº 736.090 em sede de repercussão geral (Tema 863).
Tal estratégia requer cuidados rigorosos, conforme já alertado pelo Carf em diversos acórdãos, pois reorganizações societárias que objetivam exclusivamente a obtenção de vantagens fiscais, sem fundamentação econômica substancial, podem ser desconsideradas pela administração tributária. Nesse sentido, o artigo 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional (CTN) autoriza o lançamento de ofício nos casos de dolo, fraude ou simulação, permitindo à autoridade fiscal desconsiderar atos ou negócios jurídicos realizados com a finalidade de ocultar a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
É relevante destacar que, no contexto do artigo 149 do CTN, deve-se também considerar o conteúdo do parágrafo único do artigo 116 do mesmo código. O referido parágrafo único, declarado constitucional pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.446/2002, autoriza a desconsideração de atos ou negócios jurídicos que dissimulem o fato gerador, visando coibir a evasão fiscal. Entretanto, conforme decisão da ministra relatora Cármen Lúcia, tal norma possui eficácia contida, necessitando de lei ordinária para regulamentar sua aplicação, o que limita seu uso indiscriminado.
Assim, para que a segregação de atividades seja eventualmente aceita pelas autoridades fiscais, reduzindo o risco de autuações, alguns elementos mínimos são considerados essenciais. Entre eles, destacam-se:
(1) estruturas societárias distintas, com personalidades jurídicas próprias e independentes;
(2) segregação não artificial das atividades, com operações reais e praticadas a preços de mercado;
(3) as entidades devem manter clientes distintos e independentes, evitando-se que compartilhem as mesmas clientelas ou que as operações realizadas sejam exclusivamente transações intercompany;
(4) estabelecimentos comerciais independentes, com instalações físicas separadas e endereços distintos;
(5) ausência de compartilhamento de estruturas administrativas, exceto se houver contrato formal de rateio de despesas, com critérios objetivos;
(6) quadro de funcionários próprios em cada empresa, evitando a sobreposição de colaboradores;
(7) sócios e administradores distintos, para evitar a confusão patrimonial;
(8) contabilidade e controles financeiros independentes, com livros e registros separados;
(9) mútuos formalizados com cláusulas de mercado e pagamento efetivo, evitando empréstimos informais;
(10) independência comercial, com marcas e identidades visuais diferenciadas.
Esses elementos mínimos foram reiterados em inúmeras decisões do Carf, como no Acórdão nº 1302-002.062, que reconheceu a legitimidade de cisões empresariais desde que realizadas com fins econômicos genuínos e não fraudulentos. A observância desses critérios demonstra a preocupação das empresas em legitimar suas operações, conferindo-lhes substância econômica e afastando a caracterização de simulação ou fraude.
É importante ressaltar que, ainda que esses parâmetros sejam observados, as autoridades fiscais não os consideram uma lista exaustiva. Cada caso é analisado individualmente, considerando as particularidades de cada empresa e operação. Apenas com uma abordagem criteriosa e fundamentada é possível identificar alternativas adequadas para reduzir os riscos de autuações fiscais.
A segregação de atividades e a pulverização de receitas podem constituir estratégias legítimas para manter empresas no regime de tributação pelo lucro presumido. Entretanto, é imprescindível observar os requisitos estabelecidos pela legislação tributária e pela jurisprudência administrativa. O descumprimento desses requisitos aumenta significativamente o risco de autuações fiscais, podendo resultar na desconsideração das reorganizações societárias e na aplicação de multas elevadas, inclusive com penalidades qualificadas.
Diante disso, as empresas devem atuar proativamente, demonstrando que suas reorganizações visam a objetivos econômicos concretos, tais como expansão dos negócios, especialização de atividades e busca por eficiência operacional, além da mera economia tributária. Somente assim poderão evitar questionamentos fiscais que possam comprometer suas operações e a continuidade de seus negócios.
Fonte: Conjur